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Manifesto do Rio Negro

Manifesto de Naturalismo Integral

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Em 1978, Pierre Restany se juntou a Sepp Baendereck e Frans Krajcberg em uma expedição à Amazônia. À medida que sobem o rio Negro, Pierre Restany elaborou o Manifesto do Naturalismo Integral ou Manifesto do Rio Negro. No qual ele explora sua própria visão da arte confrontada com a estética "alternativa" de Frans Krajcberg, baseada tanto na reflexão quanto no instinto. As conferências de lançamento no Rio, São Paulo e Brasília geraram polêmica.

“A natureza amazônica questiona minha sensibilidade de homem moderno. Também questiona a escala dos valores estéticos tradicionalmente reconhecidos. O caos artístico atual é a conclusão da evolução urbana. Aqui, somos confrontados com um mundo de formas e vibrações, o mistério da mudança contínua. Devemos saber como tirar proveito disso. A natureza integral pode dar um novo significado aos valores individuais de sensibilidade e criatividade.

O Manifesto do Rio Negro foi lançado no dia em que o Brasil se abria à democracia: os militares acabavam de conceder anistia a seus adversários. Foi o primeiro debate depois disso, nunca tinha se falado em destruição de florestas. Os ataques foram violentos. Alguns não admitiram que três "gringos" falassem do Brasil. O manifesto foi apresentado em Curitiba, Nova York, Paris, Roma e Milão.”    Frans Krajcberg.

Pierre Restany – alto do rio Negro - quinta-feira, 3 de agosto de 1978.

Na presença de Sepp BAENDERECK e Frans KRAJCBERG

“A Amazônia constitui hoje em nosso planeta a última reserva de refúgio da natureza integral.

Que tipo de arte, que sistema de linguagem pode criar tal atmosfera excepcional sob todos os pontos de vista, exorbitante em relação ao bom senso?

Um naturalismo de tipo essencialista e fundamental, que se opõe ao realismo e à continuidade da tradição realista, do espírito realista para além da sucessão de seus estilos e de suas formas.

O espírito de realismo ao longo da história da arte não é o espírito de pura observação, o testemunho de disponibilidade emocional. O espírito do realismo é a metáfora; o realismo é a metáfora do poder: poder religioso, poder do dinheiro na época do Renascimento, depois o poder político; o realismo burguês; o realismo socialista; o poder da sociedade de consumo com a pop-art.

 

O naturalismo não é metafórico. Não traduz nenhum desejo de poder, mas sim um outro estado de sensibilidade, uma grande abertura de consciência. A tendência à objetividade da observação reflete uma disciplina de percepção, plena disponibilidade para a mensagem direta e espontânea dos dados imediatos da consciência. Do jornalismo, mas transferido para o reino da pura sensibilidade: a informação sensível sobre a natureza.

Praticar essa disponibilidade em relação ao dado natural é admitir a modéstia da percepção humana e seus limites, em relação a um todo que é um fim em si mesmo. Essa disciplina, na consciência de seus próprios limites, é a primeira qualidade de um bom repórter: é assim que ele pode transmitir o que vê, “desnaturalizando” os fatos o mínimo possível.

O naturalismo assim concebido implica não apenas a maior disciplina de percepção, mas também a maior abertura humana. Afinal, a natureza é e nos excede na percepção de sua duração. Mas no espaço-tempo da vida de um homem, a natureza é a medida de sua consciência e de sua sensibilidade.

O Naturalismo Integral é alérgico a qualquer tipo de poder ou metáfora de poder.

O único poder que ele reconhece não é o poder abusivo da sociedade, mas o poder purificador e catártico da imaginação a serviço da sensibilidade.

Este naturalismo é de ordem individual: a opção naturalista oposta à opção realista é fruto de uma escolha que envolve a totalidade da consciência individual. Essa opção não é apenas crítica, não se limita a expressar o medo do homem diante do perigo que o excesso da civilização industrial e urbana representa para a natureza. Reflete o advento de um estágio global de percepção, a passagem individual para a consciência planetária.

 

Vivemos uma época de duplo balanço. Ao final do século soma-se o final do milênio, com todas as transferências de tabus e paranóia coletiva que essa recorrência temporal implica, a partir da transferência do medo do ano 1000 para o medo do ano 2000, o átomo em vez da praga.

 

Vivemos assim uma época de balanço. Balanço de nosso passado aberto para nosso futuro. Nosso primeiro milênio deve anunciar o segundo. Nossa civilização judeu-cristã deve se preparar para sua segunda Renascença. O retorno ao idealismo em pleno século XX supra materialista, o renovado interesse pela história das religiões e pela tradição do ocultismo, a busca cada vez mais urgente por novas iconografias simbólicas: todos esses sintomas são consequência de um processo de desmaterialização do objeto iniciado em 1966 e que é o maior fenômeno da história da arte contemporânea no Ocidente.

Depois de séculos de “tirania do objeto” e seu culminar na apoteose da aventura do objeto como linguagem sintética da sociedade de consumo, a arte duvida de sua justificativa material, se desmaterializa, passa a conceituar.

As abordagens conceituais da arte contemporânea só têm sentido se examinadas por meio dessa perspectiva autocrítica. A arte se colocou em uma posição crítica. Ele se pergunta sobre sua imanência, sua necessidade, sua função.

O Naturalismo Integral é uma resposta. E precisamente por sua virtude de fundamentalismo, isto é, de generalização e extremismo da estrutura da percepção, isto é, de planetarização da consciência, ele se apresenta hoje como uma opção aberta, um fio condutor no caos da arte contemporânea. Autocrítica, desmaterialização, tentação idealista, caminhos subterrâneos simbolistas e ocultistas: esta aparente confusão será talvez um dia organizada a partir da noção de Naturalismo, a expressão da consciência planetária.

 

Essa reestruturação perceptiva corresponde a uma mutação real e à desmaterialização do objeto de arte, sua interpretação idealista, o retorno ao significado oculto das coisas e sua simbologia, constituem um conjunto de fenômenos que se inscrevem como um preâmbulo operacional de nosso Segundo Renascimento, o estágio necessário para a mutação antropológica final.

 

Hoje experimentamos dois sentidos da natureza. O ancestral do dado planetário, o moderno do patrimônio industrial e urbano. Podemos optar por um ou outro, negar um em benefício do outro, o importante é que esses dois sentidos da natureza sejam vivenciados e assumidos na integridade de sua estrutura ontológica, na perspectiva de uma universalização da consciência perceptiva, o Eu abraçando o mundo e sendo um com ele, no acordo e na harmonia da emoção assumida como a realidade última da linguagem humana.

 

O naturalismo como disciplina de pensamento e consciência perceptiva é um programa ambicioso e exigente, que vai muito além das perspectivas ecológicas atualmente gaguejantes.

É uma questão de lutar muito mais contra a poluição subjetiva do que contra a poluição objetiva, a poluição dos sentidos e do cérebro, muito mais do que a do ar ou da água.

Em um contexto tão excepcional como o da Amazônia, surge a ideia de um retorno à natureza original.

A natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção e um oxigênio mental: um Naturalismo Integral, gigantesco catalisador e acelerador de nossas faculdades de sentir, pensar e agir.”

Pierre Restany

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Filme realizado por Frans Krajcberg durante viagem pelo rio Negro em 1978 e apresentado nas conferências de lançamento do manifesto.

Krajcberg relatou várias de suas viagens à Amazônia com Pierre Restany, ao Piauí ou a Nova Viçosa onde ele mostra ao crítico de arte o que não se aprende nos livros:

"Restany é um homem das cidades, cem por cento urbano, com seus bistrôs parisienses, suas reuniões, seu movimento neo-realista. A natureza, ele não sabia o que era. Ele nem sabia andar na praia" .

Frans Krajcberg dá ao crítico de arte, ver, sentir; mostra-lhe peculiaridades da natureza, através do visor de sua câmera. "Para ele tudo era verde. Mas são centenas de verdes. Mostrei-lhe a planície ao longe e suas diferenças cromáticas, o fundo em relação ao primeiro plano. Disse-lhe para olhar a mancha vermelha de uma flor no meio de todo aquele verde. Por ai, fazê-lo ver apenas o sistema de cores complementares. Falamos do Mondrian. Aos poucos, ele se sensibilizou. Olha esta árvore, ela é quase quadrada.” Frans Krajcberg

Mondrian viu uma pequena coisa desta árvore para chegar ao quadrado. Ele partiu desta árvore para ir em direção à abstração pura. Krajcberg partiu da abstração para retornar à árvore."

Pierre Restany

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Pierre Restany e Frans Krajcberg em expedição no rio Negro

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Pierre Restany e Frans Krajcberg  em Paris

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